O MURO
"Não possuía mais a pintura de outros tempos.
Era um muro ancião e tinha alma de gente.
Muito alto e firme, de uma mudez sombria.
Certas flores do chão subiam de suas bases
Procurando deitar raízes no seu corpo entregue ao tempo.
Nunca pude saber o que se escondia detrás dele.
Dos meus amigos de infância, um dizia ter violado tal segredo.
E nos contava de um enorme pomar misterioso.
Mas eu, eu sempre acreditei que o terreno que ficava atrás
do muro era um terreno abandonado."
Manoel de Barros, in Poesia Completa
Muros altos me provocam, me instigam...
Não tenho medo deles.
Tenho em mim a coragem de ir, subir e olhar.
Mas antes há que se ter o tempo delicioso
de tecer mil elucubrações,
fantasiar, soltar a mente
em voos de imaginação.
Não me sinto segura com muros baixos.
Nada servem para meu feitio de ser pessoa.
O da minha casa fi-lo bem alto.
E reparei que a medida que fui mudando
sentindo-me mais segura fui lá e diminui meu muro.
Ficou lindo, com telhas coloniais no topo
Todo branco e com pedras.
Sou como esse meu muro.
Deixo só um pouco à mostra.
De mim precisa-se conversar para saber que sou.
Meu muro tem , entretanto, valentes guardiões.
Trepadeiras com flores vermelhas e amarelas.
Bouganville e alamanda.
Gosto de todos os dias olhá-lo.
Sempre me conta uma história.
Cada flor que nasce sorri para mim.
Eu a abençoo e ela me abençoa também.
Há um diálogo entre eu, o muro e as flores.
Não aprecio ver a gente que passa.
Penso que a gente
que vai e volta
deve ficar voltando e indo
sem meu olhar curioso.
Conheço, outrossim, gente que ela é o muro.
Gente que se debruça num muro baixinho
e faz apologia das aparências.
Nem sei se verdadeiras no íntimo do seu ser.
Conheço uma senhora
que era casada
com um homem muro sizudo,
um muro de grades vazadas,
com cara de mau.
Após ele morrer
logo ela fez obra na casa,
mais que depressa
um muro com pedras.
Lindo que era de tão perfeitinho.
Ela sorri hoje mais e muito mais feliz.
Acho que ela se libertou.
Não sei se as grades a prendia
num cárcere, disso nada sei.
Só sinto que hoje ela sorri igual ao muro que fez,
tem até brilhinhos cintilantes no olhar.
É. Ela se libertou do marido grade.
Protegida ficou com as pedras que cintilam.
Fizeram um teste me perguntando
o que eu faria se chegasse
num caminho e um muro muito alto
obstruísse a minha passagem.
Que muro iria me impedir?
Eu olhei para os lados,
fiz uma escada de paus
e subi e olhei.
não dava para pular esse muro
isso eu vi
depois dele era o caminho seguindo.
Mas lá do alto vi que,
bem ao longe,
o muro acabava.
Era um muro obstaculador ,
malicioso, desencorajador
que nem muita gente nesta vida.
Caminhei no meio dos matinhos,
me arranhei com uns espinhos de plantas vadias
e cheguei a outro caminho.
E continuei a seguir...
Muros altos são como gente
danada de chata ou malvada
que querem nos atrasar de ir em frente.
Ou se pula por cima delas
Ou se mune de força
e feito um trator
tira-as do caminho
Ou se desvia pois pode-se se atrasar a caminhada
mas um dia chegaremos onde queríamos estar.
E o muro vai ficar por todo o sempre atônito
esperando você voltar para brigar.
Coitadas das pessoas muros
Atrapalhadoras
Que não sabem
Pensar nem pressentir
Da coragem dos outros homens das terras.
Não somos todos iguais.
É na diferença que conquistamos o nosso mundo!
É assim...
Maria Izabel Viégas
